segunda-feira, 26 de maio de 2008

Prémio Nobel da Literatura em 1990
in O Macaco Gramático (intensa influência da cultura hindu, o macaco é Hanuman... a força, a humildade, o karma, a devoção, a profundidade, a rectidão...)
"As coisas parecem mais calmas sob esta luz sem peso e que, no entanto asfixia. Talvez a palavra não seja calmaria, mas sim persistência... as coisas persistem sob a humilhação da luz. E a luz persiste. As coisas são mais coisas, tudo está empenhado em ser, em ser e nada mais..."
"As relações entre a retórica e a moral são inquietantes; é perturbadora a facilidade com que a linguagem se desfigura e a forma como o nosso espírito aceita tão docilmente esses jogos perversos. Deveríamos submeter a linguagem a um regime de pão e água, se quisermos que não se corrompa nem nos corrompa."
"... ou a imobilidade é só um estado do movimento... ou o movimento é apenas uma ilusão da imobilidade (como para os hindus)."
"Eu sempre vou onde estou, nunca chego onde sou."

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Everybody Hurts

Existe algo que me impede de ver… Parece que tudo o que vejo é invisível. Estico as mãos para alcançar o que penso que vejo, e não consigo tocar… Mas sinto que algo me toca, algo que não vejo, mas que me puxa, me recolhe, me prende as mãos. Como se me permitisse apenas movimentar dentro de mim… Como se todos os gestos e todas as expressões estivessem encerradas num oceano infinito de liberdade, para além do mar, para além do horizonte… E o que vejo. Sim, o que vejo daqui é o limite da existência… Tenho medo… Tenho medo desta liberdade… Mas tenho ainda mais medo desta existência limitada pelas dúvidas e pelas memórias desfeitas… Sinto uma recusa desconhecida, uma necessidade intensa de inocência. Como se o meu corpo se inclinasse perante uma luz que não entendo, uma luz voltada para mim com tamanha intensidade que me cega, uma luz que me cega, mas que me revela… Revela aquilo que os meus sentidos não alcançam… e encontro-me imóvel… sufoca-me a inércia, porque é energia o que me inunda e me alegra… Encontro-me imóvel porque não aprendi a andar sem ver… Encontro-me imóvel porque não aprendi a ver sem andar… Encontro-me inerte porque procuro o infinito no lugar errado… Estranho…

Continuarei…

quinta-feira, 15 de maio de 2008


"Ao toque imortal de Tuas mãos, meu pequeno coração perde seus limites na alegria, e faz nascer inefáveis expressões".
Rabindranath Tagore




"Aquele que olha para fora, sonha
Aquele que olha para dentro, acorda."

Carl Gustav Jung

(1875 - 1961) foi um psiquiatra suiço

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Clarice Lispector (1920 - 1977)

“Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres”

... A madrugada se abria em luz vacilante. Para Lóri a atmosfera era de milagre. Ela havia atingido o impossível de si mesma. Então ela disse, porque sentia que Ulisses estava de novo preso à dor de existir: - Meu amor, você não acredita no Deus porque nós erramos ao humanizá-lo. Nós O humanizamos porque não O entendemos, então não deu certo. Tenho certeza de que Ele não é humano. Mas embora não sendo humano, no entanto, Ele às vezes nos diviniza.

... é que tudo o que existia, existia com uma precisão absoluta e no fundo o que ela terminasse por fazer ou não fazer não escaparia dessa precisão; ... tudo o que existia era de uma grande perfeição. Só que a maioria do que existia com tal perfeição era, tecnicamente, invisível. ... havia um sentido secreto das coisas da vida.

... Estava numa plataforma terrestre de onde por átimos de segundos parecia ver a super-realidade do que é verdadeiramente real. Mais real – mais real que a realidade.

... Naquele instante era apenas uma das mulheres do mundo, e não um eu, e integrava-se como para uma marcha eterna e sem objetivo de homens e mulheres em peregrinação para o Nada. O que era um Nada era exatamente o Tudo.

... Tudo era infinito, nada tinha começo nem fim: assim era a eternidade cósmica.

Quando se ama não é preciso entender o que se passa lá fora, pois tudo passa a acontecer dentro de nós.

Clarice Lispector

quinta-feira, 8 de maio de 2008

De Shakespeare


"O tempo é muito lento para os que esperam,
muito rápido para os que têm medo,
muito longo para os que lamentam,
muito curto para os que festejam.
Mas, para os que amam, o tempo é eternidade".

Sobre os Jogos Olímpicos em Pequim


"Tudo o que é necessário para o triunfo do mal, é que os homens de bem nada façam"
(Edmund Burke)

O Haver

Vinicius de Moraes

Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando
, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida
, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do quotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história
.

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade
.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos
, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino
.

Resta esse diálogo quotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens
.


Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.

José Saramago